Ao contrário das células de fígados saudáveis, que armazenam pouca ou nenhuma gordura, as células de fígados gordos armazenam grandes quantidades de gordura, uma condição conhecida genericamente como doença do fígado gordo. Naqueles casos em que a acumulação de gordura não é devida a um consumo excessivo de álcool, fala-se de doença do fígado gordo não-alcoólico. Nas últimas décadas, tem-se observado um aumento muito significativo da incidência da doença do fígado gordo não-alcoólico, em paralelo com o aumento dos casos de hipertensão e comorbilidades metabólicas, incluindo obesidade, diabetes do tipo 2, hiperlipidémia e síndrome metabólica. A prevalência da doença do fígado gordo não-alcoólico na Europa já atingiu os 23.7% (26% em Portugal), prevendo-se que possa duplicar nas próximas cinco décadas, em linha com o consumo crescente de alimentos altamente processados ricos em frutose, gordura saturada e colesterol, acompanhado de sedentarismo. Na verdade, estes valores de prevalência serão provavelmente superiores, já que doença não é facilmente diagnosticada.
A acumulação descontrolada de gordura no fígado pode levar a uma progressão da doença do fígado gordo não-alcoólico para uma condição mais severa, com uma forte componente inflamatória (esteatohepatite). Por sua vez, a esteatohepatite pode progredir para cirrose e para carcinoma hepatocelular. Há fortes indícios de que a disfunção mitocondrial desempenha um papel importante nesta progressão, nomeadamente através de danos oxidativos provocados por um aumento dos níveis de espécies reactivas de oxigénio (ROS; do inglês reactive oxygen species), resultando no denominado stress oxidativo. De facto, é na mitocôndria, o organelo celular responsável pela produção de quase toda a energia metabólica, que se gera a maior parte dos ROS. Este organelo desempenha também um papel fundamental na regulação celular (e.g., na regulação iónica, redox e metabólica) e participa activamente na apoptose, uma forma de morte celular programada. Nas últimas décadas, foram testados vários antioxidantes convencionais, tais como a vitamina E, para o tratamento da doença do fígado gordo não-alcoólico, com resultados maioritariamente inconclusivos ou contraditórios. O nosso projecto DTP-FTO/2433/2014, financiado pela Fundação Para a Ciência e a Tecnologia (FCT), ajudou-nos a perceber o porquê destes resultados. Em particular, constatámos que: (i) a concentração destes anti-oxidantes na mitocôndria, um dos principais locais de dano por ROS nessa patologia, é insuficiente para exercer o efeito desejado; (ii) muitos desses anti-oxidantes perturbam o normal equilíbrio redox de outros compartimentos celulares, alterando desta forma a homeostasia celular.
Durante o presente projecto, intitulado “MitoBOOST v.2.0”, irá ser realizada uma prova de conceito com vista à demonstração em modelo anima da eficácia e ausência de toxicidade de uma nova molécula (AntiOxBEN2) no tratamento da doença do fígado gordo não alcoólico. O AntiOxBEN2 é um composto antioxidante de natureza polifenólica com direcionamento específico para a mitocôndria por nós desenvolvido no âmbito do acima referido projecto DTP-FTO/2433/2014, que também incluiu uma validação in vitro (em culturas de células) das suas capacidades antioxidantes e grau de segurança.
A eficácia e toxicidade do AntiOxBEN2 serão testadas num modelo animal de esteatose hepática simples induzida alimentando murganhos machos saudáveis da estirpe C57BL/6J, com 6 semanas de idade à data do início da experiência, com uma dieta rica em gordura (30%) e açúcar (30%) (HFHS; do inglês high fat and high sugar). O tratamento dos animais será iniciado cinco semanas após a introdução da dieta HFHS e mantido por mais 13 semanas (tempo total de alimentação com dieta controlo e HFHS: 18 semanas). Animais alimentados com uma dieta dita normal serão usados como controlo.
A avaliação da eficácia incluirá a determinação, por análise de marcadores sanguíneos e/ou histopatológica, de (i) níveis de inflamação; (ii) danos na estrutura e função hepática; (iii) danos nos tecidos cardíaco, renal, cerebral e adiposo. Incluirá, ainda, uma avaliação bioenergética e uma análise de danos oxidativos mitocondriais. É também objectivo desta prova de conceito aprofundar a caracterização físico-química do AntiOxBEN2 (nomeadamente em termos de solubilidade, estabilidade, lipofilia, capacidade de interacção com membranas biológicas e com proteínas do plasma e permeabilidade passiva transcelular), assim como obter dados farmacocinéticos e farmacodinâmicos. Esta informação é fundamental para a passagem às fases mais avançadas dos estudos pré-clínicos (e.g., realização de estudos em condições GLP) e posterior classificação como candidato a fármaco, podendo ser depois valorizado para os subsequentes ensaios clínicos de fase I. Atendendo ao grau de maturidade, este projecto encontra-se actualmente no nível 3 da escala de nível de prontidão tecnológica (TRL, da designação inglesa technology readiness level, tal como definido em https://euraxess.ec.europa.eu. Após a execução do projecto, será atingido o nível TRL4/5 (TRL4 - estudos pré-clínicos em animais modelo para identificar segurança e eficácia; TRL5 - protótipo de formulação para aplicações farmacêuticas). Os resultados desta prova de conceito permitirão irão ainda valorizar a patente PCT/IB2017/058508, WO2018122789, US 11,078,222 B2 (HYDROXYBENZOIC DERIVATIVES, METHODS AND USES THEREOF), que protege as estruturas, processo de obtenção e aplicações da família de compostos onde se inclui o compostos AntiOxBEN2, abrindo a porta à futura submissão de novas patentes de aplicação e/ou formulação, assim como sub-licenciamento a empresas farmacêuticas. A co-titularidade da patente pertence Universidade de Coimbra (UC) e à entidade parceira Universidade do Porto (UP) e está licenciada à empresa Mitotag para exploração comercial, sendo a UC e a Mitotag entidades beneficiárias destes projecto e a UP entidade parceira.
CENTRO-01-0145-FEDER-181226
2022-07-01
2023-06-30
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