O dia 14 de novembro é o Dia Mundial da Diabetes. Para o assinalar, o CNC-UC divulga o trabalho conduzido nesta área pela sua investigadora principal Eugénia Carvalho
Desde 2023, a investigadora Eugénia Carvalho passa cerca de três meses por ano na Guiné-Bissau. Naquele país, leva a cabo um trabalho de campo na área da Obesidade, Diabetes e Complicações, nome do grupo de investigação que lidera no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CNC-UC). Há cerca de 25 anos que mantém uma relação com cientistas suecos e dinamarqueses, os últimos do Projeto de Saúde de Bandim (PSB), presentes na Guiné-Bissau, há 50 anos, a trabalhar em vacinas.
Foi através destes contactos que, em 2020, Eugénia iniciou um projeto que pretendia estudar na Guiné-Bissau o efeito protetor da vacina da BCG na diabetes. O estudo decorre de um primeiro grande rastreio nacional da doença, que está a permitir pela primeira vez averiguar a prevalência da diabetes no país. O rastreio chegou até hoje a mais de cinco mil pessoas e permitiu, em 2023, iniciar ensaios clínicos em cerca de 200 pessoas, identificadas com pré-diabetes, a quem foi administrada a vacina da BCG. Serão acompanhadas durante dez anos para estudar o efeito protetor da vacina na doença.
Os resultados do rastreio nacional começaram a ser publicados em 2024 e 2025, e um novo projeto para estudar a relação diabetes-tuberculose está agora no início: uma colaboração com Baltazar Cá, investigador do PSB e do Instituto Nacional de Saúde Pública da Guiné-Bissau (INASA), financiado com 100 mil euros pelas fundações “la Caixa” e Calouste Gulbenkian através das bolsas We Forward. Baltazar estuda a tuberculose no país; os projetos unem agora esforços para rastrear pessoas com as duas doenças, o que vai contribuir para um estudo concertado mais amplo, já que existe uma relação bidirecional entre diabetes e tuberculose (sabe-se que a diabetes aumenta o risco de tuberculose ativa, enquanto a tuberculose dificulta o controlo glicémico).
Contudo, os estudos da população deixaram antever uma tarefa ainda mais complexa que cientistas e médicos têm em mãos: torna-se necessária uma atuação transversal às áreas da saúde, nutrição, educação e sensibilização para prosseguir o combate à doença, de que se assinala hoje, 14 de novembro, o dia mundial. «As pessoas não sabem o que é a diabetes e pensam que é uma doença infeciosa, transmissível. Face aos tratamentos, também não conseguem administrá-los de forma autónoma. Estamos a chegar a muitos milhares de pessoas e, para muitas delas, foi no primeiro rastreio nacional que pela primeira vez ouviram falar da doença», diz a investigadora do CNC-UC.
Historicamente, para os organismos a atuar na Guiné-Bissau — como o Instituto de Higiene e Medicina Tropical, instituição portuguesa de saúde pública fundada em 1902 —, o foco esteve no trabalho com doenças infeciosas. Assim, naquele que é um dos países mais pobres do mundo, a atenção dada a doenças crónicas não-transmissíveis (DCNT) é menor, como é o caso da diabetes, da obesidade e da hipertensão, as quais crescem de forma exponencial. A cientista angariou desde 2021 cerca de 900 mil euros, repartidos entre várias instituições, para o combate à doença. Com o PSB, tem em curso uma nova candidatura à Fundação Mundial da Diabetes, e tem contado com o apoio da marinha portuguesa. Através do programa Mar Aberto, transportou para a Guiné-Bissau, em 2024, 700 quilos de material. Está ainda envolvida em duas candidaturas recentes, uma com a UC e outra com investigadores dinamarqueses, a programas da Cooperação Europeia em Ciência e Tecnologia (COST) para África.
O objetivo de Eugénia Carvalho torna-se agora dar a conhecer à população da Guiné-Bissau a grande problemática das DCNT. As suas prioridades desdobram-se entre a sensibilização e literacia da população e a promoção de um novo rastreio, agora para gestantes. Com o financiamento do Camões — Instituto da Cooperação e da Língua e em colaboração com a organização não governamental (ONG) Bisturi Humanitário, está em curso desde fevereiro o maior rastreio em gestantes já feito no país para identificar mulheres em alto risco devido à diabetes. O objetivo é melhorar o acompanhamento desta e de outras DCNT e conseguir, ao longo de anos, rastrear entre 3,5 e 5 mil mulheres, o que ajudará a combater a mortalidade materno-infantil na Guiné-Bissau, que se encontra entre as mais elevadas do mundo. Cerca de 500 mulheres foram rastreadas desde fevereiro.
A literacia da população, essencial na gestão da doença, é uma das tarefas mais complexas por cumprir. Com o financiamento do instituto Camões, Eugénia Carvalho tem trabalhado na promoção da literacia, promovendo a difusão de bandas desenhadas em português e crioulo, em colaboração com o artista local Manuel Júlio, e de spots informativos nas rádios comunitárias, nas línguas locais.
A inexistência de formação local e capacitação levaram à criação de outro projeto, liderado pela ONG HELPO e financiado também pelo instituto Camões. Está assim, desde janeiro deste ano e até dezembro de 2026, a decorrer em todo o país um plano de capacitação e literacia em nutrição. Para fazer o mapeamento nacional da desnutrição, Eugénia Carvalho e a HELPO estão a trabalhar com alunos locais e a aplicar questionários adaptados do PAS GRAS, projeto europeu de estudo dos riscos metabólicos que cocoordena no CNC-UC.
A grande aposta da investigadora está na criação de estruturas nacionais para prevenção das DCNT. Ajudou a criar, em 2023, a Reunião Nacional da Diabetes da Guiné-Bissau, que todos os anos junta médicos, investigadores, entidades públicas e a população em torno da doença. Criou um grupo de trabalho de peritos e professores de estatística de várias escolas que têm dado aulas pro bono online a estudantes de mestrado e doutoramento dos PALOP, que muitas vezes não têm conhecimento para analisar o trabalho de campo que executam. Quer também criar uma estrutura de capacitação e formação de técnicos de saúde e alunos de saúde pública, e desde 2023 que dá formação avançada e palestras nas escolas do país.
É disso exemplo o percurso de Lilica Sanca, bióloga guineense que trabalha no Laboratório Nacional de Saúde Pública e no Fundo Global e que defendeu a tese de doutoramento em fevereiro, na UC, sobre a prevalência da diabetes no país, financiada por bolsas da Fundação Europeia para o Estudo da Diabetes (EFSD), Gulbenkian e Grupo Coimbra. O segundo bolseiro nesta área é o médico guineense Vasco Iala, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia/PALOP, na UC. Outros alunos guineenses defenderam também já teses de mestrado. Todos eles estão no terreno, na Guiné, a identificar e trabalhar com pessoas de alto risco: são já 50 as crianças com diabetes de tipo 1 identificadas no país sem acesso a insulina.
Inês Amado da Silva (CNC-UC)